Um informe da ONU alerta sobre o “fenômeno generalizado e sistemático desta forma de violência” contra a mulher e insiste que os responsáveis de cada país “cumpram com suas obrigações em matéria de direitos humanos” e “encarem os problemas estruturais e as causas profundas de violência contra a mulher nos serviços de saúde reprodutiva”.
Publicamos a continuação o extrato de um informe apresentado pela Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências, Dubravka Šimonović, na Assembleia Geral das Nações Unidas. O informe foi publicado em abril de 2019, com o título: Enfoque baseado nos direitos humanos do maltrato e a violência contra a mulher nos serviços de saúde reprodutiva, com especial destaque na atenção ao parto e a violência obstétrica.
“Nos últimos anos, o maltrato e a violência contra a mulher experimentados durante a atenção ao parto nos centros de saúde e em outros serviços de saúde reprodutiva geraram grande interesse a nível mundial devido, entre outras coisas, aos numerosos depoimentos publicados por mulheres e organizações de mulheres nos meios sociais. Demonstrou-se que esta forma de violência é um fenômeno generalizado e sistemático. Reconhecendo que esses problemas não se abordaram plenamente desde a perspectiva dos direitos humanos, a Relatora Especial sobre a violência contra a mulher decidiu preparar seu informe temático sobre o maltrato e a violência contra a mulher nos serviços de saúde reprodutiva, com especial enfoque na atenção ao parto e a violência obstétrica.
Como principal organização das Nações Unidas no âmbito da saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) respondeu aos temores das mulheres em relação à atenção ao parto publicando uma declaração em 2015 na que condenava, rotundamente, o maltrato físico, a humilhação e a agressão verbal, os procedimentos médicos coercitivos ou não consentidos (incluída a esterilização), a falta de confidencialidade, o fato de não obter o consentimento plenamente informado, a negativa a subministrar medicação contra a dor, as graves violações da intimidade, a denegação de admissão aos centros de saúde, o abandono das mulheres durante o parto que pode leva-las a sofrer complicações evitáveis e que pode ameaçar sua vida e a detenção de mulheres e seus filhos recém-nascidos nos centros, depois do parto, devido à sua incapacidade para assumir os custos.
Em sua declaração, a OMS também reconheceu que esse maltrato não apenas viola o direito das mulheres a uma atenção respeitosa, mas que também pode pôr em perigo seu direito à vida, à saúde, à sua integridade física e a não ser objeto de discriminação.
No processo de elaboração receberam mais de 128 comunicações de Estados, organizações não governamentais, instituições independentes e membros do mundo acadêmico. Diversas organizações não governamentais publicaram também informes que documentam o maltrato que experimentam as mulheres e as meninas durante a atenção ao parto em centros de saúde de todo o mundo.
No presente informe, a Relatora Especial propõe aplicar um enfoque baseado nos direitos humanos às diferentes formas de maltrato e violência que sofrem as mulheres nos serviços de saúde reprodutiva, com especial ênfase na atenção ao parto e na violência obstétrica. O maltrato e a violência contra a mulher não apenas violam o direito das mulheres a viver uma vida livre de violência, mas também podem pôr em perigo seu direito à vida, à saúde, à sua integridade física, sua intimidade, sua autonomia e a não sofrer discriminação.
O maltrato e a violência contra as mulheres nos serviços de saúde reprodutiva e durante a atenção ao parto se examinam no informe como uma parte contínua das violações que se produzem no contexto mais amplo da desigualdade estrutural, a discriminação e o patriarcado, e também são consequência de uma falta de educação e formação e da falta de respeito à igual condição da mulher e seus direitos humanos. As mulheres e as meninas sofrem esse tipo de violência quando solicitam outras formas de atenção de saúde sexual e reprodutiva como exames ginecológicos, aborto, tratamentos de fecundação e anticonceptivos e em outros contextos de saúde sexual e reprodutiva.
O informe proporciona recomendações sobre o modo de encarar os problemas estruturais e as causas profundas da violência contra a mulher nos serviços de saúde reprodutiva, com especial ênfase na atenção ao parto e na violência obstétrica. Também trata de assentar as bases para que os Estados cumpram suas obrigações em matéria de direitos humanos, elaborem leis políticas e estratégias nacionais de saúde reprodutiva para as mulheres e implantem mecanismos de denúncia para assegurar um enfoque baseado nas violações dos direitos humanos. Conforme o direito internacional, os atos ou omissões cometidos por agentes não estatais atribuíveis ao Estado abordam o seguinte: “[I]os atos ou omissões de agentes privados facultados pelo direito desse Estado para exercer atribuições do poder público, entre eles, os organismos privados que prestam serviços públicos como a atenção à saúde ou à educação, ou administram o funcionamento de lugares de detenção, [que] se consideram atos atribuíveis ao próprio Estado”.
Os estados partes na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher tem ademais a obrigação de elaborar e aplicar, por todos os meios apropriados e sem atrasos, uma política encaminhada a eliminar a discriminação e a violência de gênero contra a mulher, em particular no âmbito da atenção à saúde. Trata-se de uma obrigação de caráter imediato e as demoras não podem se justificar por nenhum motivo, sequer por razões econômicas, culturais ou religiosas”.
Mais informação:
Prêmio Human Rights in Childbirth a advogadas espanholas
As sequelas psicológicas do parto medicalizado
Observatório de violência obstétrica – Chile