Por Ibone Olza, psiquiatra perinatal.
Querida mamã,
Alguns amigos pediram-me para te escrever esta carta. Talvez estejas surpreendida por te chamar “mãe”, quando ainda estás à espera do teu primeiro bebé. A verdade é que eu acredito que nós já somos mães, a partir do momento em que aceitamos acomodar um bebé dentro de nós e trazer esta nova vida ao mundo. A primeira coisa que eu sinto que preciso de fazer é congratular-la pela tua gravidez.
A gestação, acomodar um filho até ao final, é um bonito esforço que a nossa sociedade pouco valoriza ou honra. Aliás, é frequentemente oferecido pouco reconhecimento, cuidado ou ajuda às mulheres grávidas. Contudo, acomodar uma criança é um ato delicado, precioso e importante, um tempo de calma para relembrar toda a nossa vida. Frequentemente pergunto às mães em que altura perceberam que estavam grávidas. Muitas respondem que já sabiam ou que já sentiam uma intuição, antes de fazer qualquer tipo de teste de gravidez. Muitas sentem a presença do pequeno ser, praticamente desde a concepção.
A gravidez, tal como sabes, não transforma apenas o nosso corpo. Transforma também o nosso cérebro e a forma como nos relacionamos com a vida. À medida que o bebé cresce no nosso útero, durante esses nove meses, a nossa mente abre-se para as memórias da nossa infância. Se pensares sobre isto, faz sentido… Relembramos a forma como nós próprias fomos cuidadas pelas nossas mães, a educação que os nossos pais nos deram, enquanto decidimos que tipo de mãe vamos ser para o nosso próprio filho. Também somos mais sensíveis, durante os últimos meses da gravidez, estamos mais sincronizadas com as emoções dos outros. É um presente da natureza, que nos prepara para sermos altamente empáticas com os nossos bebés e oferecer-lhes os melhores cuidados. Embora seja um presente, também nos pode fazer sofrer, porque nos torna mais vulneráveis e mais suscetíveis à preocupação.
Assim eu imagino que estar grávida no meio de uma pandemia te tenha deixado bastante preocupada. Tanto medo pelo mundo todo, tantas questões e dúvidas por responder…
Se te encontras nos primeiros meses de gravidez, é provável que estejas preocupada com o dano que se pode suceder ao teu bebé, que se está a desenvolver, se fores infetada com o coronavírus. A verdade é que não sabemos, mas até ao momento, não existem dados que mostrem que a infeção possa prejudicar o teu bebé, através de ti. Assim, arrisco dizer que podes ficar calma em relação a isto. Não me parece que o coronavírus possa chegar ao teu bebé, através da placenta.
Se estiveres nos últimos meses da tua gravidez, a ouvir sobre as práticas hospitalares para o parto, durante esta crise, é provável que te sintas preocupada ou ansiosa a pensar sobre o parto ou os dias seguintes. Podes estar com medo de ir a um hospital, onde possas ser infetada ou se estiveres atualmente infetada, podes estar com medo de ser separada do teu bebé, após o parto. Múltiplos cenários… A verdade é queexistem múltiplos protocolos hospitalares contraditórios que mudam diariamente. Assim, gostava de partilhar contigo alguns insights, no caso destes poderem ajudar:
- A confiança é como um músculo: pode ser exercitado. Respira fundo – pensa numa pessoa que amas ou num sítio que te é querido, pode ajudar-te a sentir mais segura. De cada vez que surge um pico de oxitocina, nós sentimo-nos mais confiantes. Carícias, massagens, boa comida, contato ocular, dançar, … estes são agora mais necessários do que nunca. A meditação e a imaginação também podem ser úteis.
- CONFIA ainda mais: no teu corpo, que sabe dar à luz, e no teu bebé, que sabe como vir ao mundo. Celebra o facto de teres chegado ao fim da tua gravidez, observa o maravilhoso trabalho que o teu corpo consegue fazer. O parto começa quando o teu bebé está preparado e envia sinais ao teu corpo. É bom respeitar este momento, em que o bebé está preparado para se adaptar a um novo mundo. O coronavírus não é razão para programar um parto induzido ou uma cesariana, a não ser que a tua condição médica o requeira. Se tiveres uma pneumonia que dificulte a chegada de oxigénio ao bebé no útero, é possível que seja necessário planear o parto. Se sim, pode ser útil planeares com a tua família estratégias de coping, caso sejas separada do teu bebé.
- Confia nos teus profissionais de saúde (a maioria provavelmente mulheres). Nenhum deles te quer fazer mal. É bem possível que eles também estejam com medo, a trabalhar sobre pressão e em condições difíceis, quase sem tempo para pensar ou querer saber das suas próprias necessidades. Se puderes, diz-lhes que sabes isso e que agradeces. Em vez de os confrontares, pensa sobre como os podes ajudar a ajudar-te a ti da melhor forma possível. Talvez possas praticar as conversas que gostarias de ter no hospital. Isto ajuda, porque desta forma não será o medo a guiar-te. Podes treinar em voz alta frases, tais como: obrigada por me apoiarem. Esperei por este momento durante muitos meses e sei que me vou lembrar dele durante toda a minha vida. É importante para mim receber o meu bebé da melhor forma possível. Escreve sobre como gostarias que esta conversa se sucedesse, pratica a assertividade e o respeito. Planeia a forma como gostarias de conhecer o teu bebé, com o teu parceiro e a tua família.
- Procura informação sobre os teus direitos e os direitos do teu bebé nas coligações de parto e amamentação locais. Esta informação vai igualmente ajudar-te a decidir onde é que queres que o teu parto ocorra. Em vários países europeus, o parto em casa, está a ser sugerido para gravidezes sem complicações.
- Se sentires que estás demasiado preocupada, se não conseguires dormir, se relaxar parecer impossível, se te sentires muito triste e não conseguires sentir prazer com nada… Não estás sozinha! E nada disto é culpa tua! Procura ajuda!!! (Escrevo isto sabendo que pedir ajuda é difícil – para mim também é!). Existem muitos profissionais de saúde perinatais preparados para responder ao teu pedido, por telefone, e-mail, Skype, Zoom, Fóruns, WhatsApp, etc.
A última coisa que eu gostaria de partilhar contigo é provavelmente a mais difícil. Isto é: tentar aproveitar o presente, o agora, este momento, conscientemente e completamente. Tu estás grávida, o teu bebé está contigo, dentro de ti. Talvez mais tarde sintas saudades deste tempo de gravidez e fiques triste por não o teres aproveitado. Estar consciente disto e colocar o teu bem-estar como prioridade pode ajudar-te a celebrar cada dia. Pode até proteger-te do excesso de informação, preparar-te para a chegada do teu bebé, visualizar o parto, cantar e aproveitar tudo o que tu puderes! Continua a amar e a confiar na vida.
Com estima,
Ibone
Link para ler a carta em outros idiomas:
Espanhol: https://iboneolza.org/2020/03/26/carta-a-embarazada-en-pandemia/
Inglês: https://eipmh.com/letter-to-pregnant-mother-during-the-pandemic/
Tradução
Mariana Sousa Leite e Soraia Mesquita
Grupo de Língua Portuguesa da Sociedade Marcé Internacional para a Saúde Mental Perinatal
Arte
Susanna Carmona