Tudo o que acontece em torno ao nascimento forma parte de um sofisticado programa neurobiológico para assegurar o vínculo afetivo entre mãe e filho, em todas as espécies mamíferas: a impressão/imprinting. Na espécie humana, com frequência essa impressão é prejudicada pelas intervenções que se realizam durante o parto, tanto pelos procedimentos físicos como de administração de medicamentos. No entanto, a natureza é tão generosa que sempre oferece oportunidades para reparar, já que, como diz Nils Bergman, uma má experiência de nascimento sempre é reparável em alguma medida.
Por Michel Odent
Os hormônios que a mãe e o bebê liberam durante a primeira e a segunda fase do parto (no caso de não ter sido interferido com hormônios artificiais) continuam presentes na hora seguinte ao nascimento, e todas elas desempenham um papel fundamental na interação da mãe com o recém-nascido nos minutos críticos logo após o nascimento. O hormônio chave implicado na fisiologia do parto é sem dúvidas a oxitocina. Seus efeitos mecânicos são conhecidos já há muito tempo (efeitos nas contrações uterinas durante o parto, na expulsão da placenta, nas contrações das células mioepiteliais do peito para o reflexo de expulsão do leite…), mas até então sequer suspeitavam dos seus efeitos comportamentais.
Os pesquisadores Prange e Pedersen demonstraram os efeitos da oxitocina sobre o comportamento pela primeira vez em 1979 através de experiências com ratos: uma injeção de oxitocina diretamente no cérebro das fêmeas virgens induzia a uma conduta maternal. Esta descoberta abriu as portas a uma nova geração de estudos. Os resultados de centenas deles podem ser resumidos em uma ou duas frases: a oxitocina é o hormônio típico do altruísmo, e está presente em qualquer faceta do amor que se queira contemplar.
Esta informação é muito importante quando sabemos que, segundo os estudos suecos, é justamente depois do nascimento do bebê e antes da expulsão da placenta quando as mulheres têm a capacidade de chegar aos níveis máximos de oxitocina que se pode alcançar na vida. Igual a qualquer outra circunstância (por exemplo, relações sexuais ou aleitamento), a liberação de oxitocina é altamente dependente de fatores ambientais. É mais fácil se o lugar é muito quente (para que o nível de hormônios da família das adrenalinas fique o mais baixo possível). Também é mais fácil se a mãe não tem outra coisa para fazer além de olhar nos olhos do bebê e sentir o contato com sua pele sem nenhuma distração.
Ficamos com um novo campo de pesquisa: o modo de liberação da oxitocina. Para fazer efeito, esta liberação tem que ser pulsátil: quanto mais alta é a frequência, mais eficiente é o hormônio.
A oxitocina não se libera jamais de maneira isolada; sempre forma parte de um equilíbrio hormonal complexo. É por este motivo que o amor tem tantas facetas. No caso particular da hora que procede o parto, em condições fisiológicas, o nível máximo de oxitocina está associado com um nível alto de prolactina, que também é conhecida pelo nome de hormônio da maternidade.
Esta é a situação mais típica de expressar amor aos bebês. A oxitocina e a prolactina se complementam. Além disso, os estrogênios ativam os receptores de oxitocina e prolactina. Sempre temos que pensar em termos de equilíbrio hormonal.
Em 1979 também se demonstrou a liberação maternal durante as contrações e o parto de hormônios parecidos à morfina. A liberação dessas endorfinas agora está muito bem documentada. No início dos anos 80 nos demos conta de que o bebê também libera suas próprias endorfinas durante o processo de nascimento, e hoje não há dúvidas de que durante um certo tempo depois do parto mãe e bebê estão igualmente impregnados de opiáceos. A propriedade dos opiáceos de induzir estados de dependência é amplamente conhecida, resultando fácil prever como é o desenvolvimento do princípio de uma “dependência” ou vinculação.
Inclusive hormônios da família das adrenalinas (com frequência considerados como os hormônios da agressividade) têm um papel óbvio na interação entre mãe e bebê imediatamente depois do parto. Durante as últimas contrações, antes de nascer o bebê, esses hormônios alcançam seu nível mais alto na mãe.
Por este motivo, em condições fisiológicas, quando começa o reflexo de expulsão fetal, as mulheres tendem a estar erguidas, cheias de energia, com uma necessidade repentina de agarrar algo ou alguém.
Com frequência necessitam beber um copo de água, exatamente como um orador necessita diante de uma grande audiência. Um dos efeitos desta liberação de adrenalina é que a mãe está alerta quando o bebê nasce. Temos que pensar nos mamíferos em seu habitat natural para entender claramente as vantagens de uma mãe ter suficiente energia e agressividade para proteger seu bebê recém-nascido se for necessário. A agressividade é um aspecto do amor maternal.
Também sabemos muito bem que o bebê conta com seus próprios mecanismos para sobreviver durante as fortes contrações finais do expulsivo e libera seus próprios hormônios da família da adrenalina. Uma torrente de noradrenalina permite ao feto adaptar-se à falta fisiológica de oxigênio específica desta fase do expulsivo. O efeito visível desta liberação hormonal é que o bebê está alerta ao nascer, com os olhos bem abertos e as pupilas dilatadas.
As mães humanas se sentem fascinadas e encantadas com o olhar de seus recém-nascidos. É como se o bebê estivesse dando um sinal, e certamente parece que este contato visual humano é um aspecto importante no começo da relação mãe-bebê entre os humanos.
O papel altamente complexo dos hormônios da família da adrenalina-noradrenalina na interação mãe-bebê não foi muito estudado. Poucas experiências com animais abrem caminho para pesquisas mais profundas. Os ratos que não têm o gene responsável pela produção da noradrenalina deixam seus filhotes desatendidos, sujos e sem alimento, a não ser que sejam injetados com um fármaco produtor de noradrenalina quando dão à luz.
Desde a perspectiva hormonal, parece claramente que a sexualidade volta a seu ponto de partida. Nos distintos episódios de nossa vida sexual se liberam os mesmos hormônios e se reproduzem roteiros similares. Por exemplo, durante o ato sexual, os dois companheiros, macho e fêmea, liberam oxitocina e endorfinas. É o começo de um vínculo afetivo que segue o mesmo padrão que o apego mãe-bebê durante a hora depois do parto.
Nossos conhecimentos atuais sobre os efeitos comportamentais dos distintos hormônios implicados no processo do parto nos ajudam a interpretar o conceito de um período sensível introduzido pelos etólogos. Está claro que todos os hormônios liberados pela mãe e o bebê durante as contrações e o parto não se eliminam imediatamente. Também é evidente que todas elas têm um papel específico na posterior interação mãe-bebê.
Michel Odent
Extraído do artigo
The first hour following birth: don´t wake the mother. Dr. Michel Odent