por Ibone Olza, psiquiatra perinatal.
Querida paciente,
Estou a pensar em si e percebi que, provavelmente, é uma mãe que foi separada do seu bebé. Ou talvez um pai. Conheço alguns casos em que ambos, mãe e pai, estão a passar pela infeção do coronavírus, isolados, sem poderem estar com o seu bebé. Talvez a mãe esteja no hospital, sozinha, e o pai em casa, sozinho. Por esta razão, a carta de hoje é para si, uma mãe que está isolada e sozinha no hospital e para si, um pai que está a passar por uma situação tão difícil.
Vou partilhar alguns pensamentos, coisas que eu sei como pedopsiquiatra e coisas que eu sei ou posso intuir como mãe. Eu própria fui separada de um dos meus filhos recém-nascidos durante uma semana, estive impossibilitada de o segurar nos meus braços e quase sem o poder ver. É com base nesta minha experiência, que lhe posso dizer: isto também vai passar – e embora seja difícil, pode sarar e ser transformado pelo amor. Não lhe ousaria dar conselhos, apenas desejo que as minhas palavras a ajudem. Se não o fizerem, apenas esqueça-as.
O ponto de partida para mim é que a maternidade esconde um mistério, ou, na verdade, muitos; e cada um de nós tem de seguir o seu próprio caminho. Para mim – agora que sou mãe de três jovens adultos – a batalha mais difícil foi não me sentir culpada pelos erros que considero ter cometido, e por essa razão, o que eu menos gostaria é que alguém se sentisse culpado por alguma das coisas que eu posso aqui sugerir.
Bom, vamos ao que interessa.
Os bebés sentem, compreendem e amam. Estes três – sentir, compreender, amar – são capazes de fazer mais do que o que nós geralmente pensamos. Os bebés são sábios, são capazes, querem amar e sentir-se amados. O seu bebé, tenho a certeza, quer estar consigo, com ambos os pais, e saber que vocês estão bem. Estar separado dos pais não é fácil para o seu bebé, é verdade, mas é exatamente por isso que é tão importante que os pais saibam tudo o que pode ser feito para o ajudar, a ele ou a ela, durante este período difícil. Aqui estão algumas sugestões:
- Peça a alguém para explicar ao seu bebé porque é que a mãe não está com ele, ou porque é que o bebé ainda não está em casa, mas num hospital. Muitos médicos e enfermeiros são maravilhosos e fazem isto, falam com os bebés e explicam o que está a acontecer. A mãe pode também gravar um áudio de voz, no qual fala com o seu bebé e explica tudo o que quiser, incluindo, se desejar, porque é que não estão juntos. Está tudo bem se se sentir sobrecarregada ou chorar enquanto explica. O seu bebé vai reconhecer a voz da mãe e compreender a sua mensagem: a mãe está algures, à espera de poder estar com ele e ama-o. O seu bebé pode chorar ao ouvir a sua voz, talvez ele ouça atentamente, talvez não. Espero que a pessoa que está a reproduzir a mensagem possa assistir à reação do seu bebé enquanto estiver a ouvir a voz da mãe. De qualquer modo, se puder, envie todos os dias mensagens de voz para ao seu bebé, isto certamente irá ajudar. Não se preocupe se eles lhe disserem que o bebé chora ao ouvir a sua voz – como a sua mãe, ele também está saudoso, à espera de poder estar consigo.
- O seu bebé tem o direito de estar com um membro da família durante o período em que se encontra no hospital. No entanto, na situação em que nos encontramos, isto pode não ser possível devido ao risco de infeção. Neste caso, a equipa de enfermagem cuidará do seu bebé e manterá a mãe atualizada. Se puder, pergunte à equipa se um membro da família sem problemas de saúde pode passar algum tempo com o seu bebé ao colo, enquanto o abraça e toca na sua pele. Para os bebés, o contato é estimulante. Se não for possível, seja paciente . . . isto vai acontecer, dê tempo ao tempo!
- Se a mãe se sentir forte o suficiente pode querer escrever um diário sobre os seus dias no hospital (e do seu bebé). Escreva o que lhe vier à mente, as coisas que acontecem em cada dia – certamente vai gostar de partilhar este diário com o seu bebé quando ele crescer. No entanto, se se sentir demasiado doente para o fazer, talvez alguém da sua família possa escrever.
- Se planeou amamentar o seu bebé, é provável que as enfermeiras ou parteiras já a estejam a ajudar a extrair o leite e, esperemos, a levá-lo ao seu bebé. De qualquer forma, não se sinta triste, se não estiver bem o suficiente para o extrair ou se tiver decidido não amamentar. O que o seu bebé mais precisa é que a mãe se sinta bem e amada. Pode concentrar a sua energia em melhorar. Na amamentação, não é tudo ou nada, nem é irreversível. A mãe pode fazer uma alimentação mista ou bombear exclusivamente, e até pode estimular o leite mais tarde – como as mães adotivas fazem para poderem amamentar os seus bebés. Se decidiu não amamentar, pode apenas dar o biberão ao seu bebé, enquanto toca na sua pele, como se o estivesse a amamentar.
- Talvez esteja constantemente a reviver os momentos difíceis dos últimos dias na sua cabeça, talvez se sinta triste, perdida ou culpada . . . Estes são sentimentos frequentes nestas circunstâncias! Podem demorar um pouco a desaparecer, mas tudo isto pode sarar e a mãe e o seu bebé podem ficar bem. Se não consegue dormir ou se tiver pensamentos sombrios e assustadores, ou se sentir a necessidade de conversar sobre isso com alguém, pode procurar ajuda profissional. Existem cada vez mais psicólogos e psiquiatras perinatais, especializados em ajudar durante este período de vida. Ter pensamentos sombrios e assustadores pode ser um sinal da pressão sob a qual está neste momento. Eles não significam que a mãe não será capaz de amar ou cuidar do seu bebé.
- Prepare-se para ver o seu bebé novamente! Imagine esse momento. Prepare-se para o momento em que o irá ver e segurar. Confie nisso. Quando chegar a casa, terá todo o tempo do mundo para o mimar e abraçar, e toda a sua vida pela frente para reparar esta separação inicial, com amor.
- O seu bebé ama-a, está à sua espera e tem a certeza absoluta de que é a melhor mãe do mundo. Trate-se com o mesmo amor, não fale mal de si própria, não se julgue, não se sinta culpada, por favor. Estes são tempos difíceis e o que está a acontecer não é culpa sua.
Desejo-lhe força. Estive ao lado de muitas mães, bebés e famílias que começaram este momento de vida em situações muito difíceis, em hospitais, em unidades de cuidados intensivos, separadas, em sofrimento… Muitos desses bebés são agora adultos saudáveis e felizes. Sim, é verdade! Há sempre tempo para sarar e o que mais ajuda neste processo é o amor.
Desejo-lhe um ótimo dia,
Ibone
Tradução
Mariana Sousa Leite e Soraia Mesquita
Grupo de Língua Portuguesa da Sociedade Marcé Internacional para a Saúde Mental Perinatal
Link para ler a carta em outros idiomas:
Espanhol: https://iboneolza.org/2020/03/22/carta-a-paciente-aislada-3-separada-de-tu-bebe/
Inglês: https://eipmh.com/letter-to-mother-isolated-from-her-newborn/
Tradução
Mariana Sousa Leite e Soraia Mesquita
Grupo de Língua Portuguesa da Sociedade Marcé Internacional para a Saúde Mental Perinatal
Arte
Susanna Carmona