O desconhecimento sobre como os bebês são está deteriorando a sociedade
Por Darcia Narvaez, Universidade de Notre Dame
Você já notou quantos bebês estão estressados? Talvez um de cada 30 que vejo tem olhos brilhantes, o que tomo como um sinal de bem-estar e alegria. O que está acontecendo? Talvez influencie a ignorância sobre como são os bebês e suas necessidades. Aqui exponho 10 coisas que devemos saber.
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Os bebês são mamíferos sociais com necessidades sociais de mamíferos
Os mamíferos sociais surgiram há mais de 30 milhões de anos com a infância intensiva (um ninho ou nicho de desenvolvimento). Esta é uma das muitas coisas (extragenéticas) que evoluíram à parte dos genes. Este ninho de desenvolvimento corresponde com o cronograma de amadurecimento e é imprescindível para um desenvolvimento óptimo da pessoa. As práticas intensivas da infância para bebês incluem anos de amamentação para desenvolver sistemas cerebrais e corporais, tato quase constante e a presença física dos cuidadores, capacidade de resposta a suas necessidades para evitar a angústia, brincadeira livre com companheiros de distintas idades e experiências perinatais relaxantes. Cada um desses fatores tem efeitos significativos na saúde física.
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Os bebês humanos nascem “metade prontos” e requerem um útero externo
Os seres humanos nascem muito antes que outros animais: nove meses antes em termos de mobilidade e 18 meses antes em termos de desenvolvimento ósseo e capacidade de busca de alimento. Os bebês a termo têm 25% do volume cerebral adulto e a maior parte desse desenvolvimento se produz nos primeiros 5 anos. Portanto, o ninho humano para seus filhotes evoluiu para ser inclusive mais intenso que para outros mamíferos sociais devido à imaturidade do recém-nascido e a que seu desenvolvimento dura de 3 a 5 anos. Os humanos também agregaram à lista de cuidados esperados uma aldeia de apoio social positivo tanto para a mãe como para o bebê. (Na realidade o desenvolvimento do cérebro humano dura até a terceira década da vida, o que sugere que o apoio social e a tutoria continuam pelo menos por todo esse tempo).
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Se os adultos se equivocam com os cuidados posteriores ao nascimento, podem surgir problemas a longo prazo.
Cada uma das práticas de cuidado mencionadas anteriormente tem efeitos a longo prazo na saúde física, mas também na saúde social do indivíduo. Por exemplo, angustiar os bebês com regularidade ou intensidade (ao não dar o que necessitam) deteriora os sistemas de autorregulação. Isso é parte do conhecimento do senso comum em outras culturas e também foi no nosso passado. Em português existe um termo utilizado para adolescentes e adultos que se comportam mal:
Malcriado (misraised, em inglês).
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Os bebês prosperam com amor afetuoso
Quando os bebês recebem alimento e trocas de fraldas e um pouco mais, morrem. Se recebem atenção parcial e permanecem com vida, continua não sendo suficiente; não alcançarão seu máximo potencial. Urie Bronfenbrenner, quem deu ênfase aos múltiplos sistemas de apoio que fomentam o desenvolvimento óptimo, disse que é melhor para os bebês quando ao menos uma pessoa está louca por eles. Outros notaram que as crianças crescem melhor com três cuidadores afetuosos e consistentes. De fato, os bebês esperam um cuidado amoroso não só de papai e mamãe. Os bebês estão prontos para uma comunidade de cuidadores próximos e receptivos que inclui a mãe muito perto.
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O hemisfério direito do cérebro dos bebês se desenvolve rapidamente durante os primeiros três anos
O hemisfério direito se desenvolve como resposta à experiência social frente a frente, com o olhar estendido e compartilhado. O hemisfério direito governa vários sistemas de autorregulação. Se os bebês ficam na frente das telas (celular, computador, tv, tablet, etc.), ignorados ou isolados, estão perdendo experiências críticas.
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Os bebês esperam brincar e se movimentar
Os bebês esperam estar “nos braços” ou no corpo do cuidador a maior parte do tempo. O contato pele com pele é calmante e reconfortante. Depois de saber disso, um dos meus alunos, em uma reunião familiar, pegou um bebê chorando e colocou no colo, o que o tranquilizou. Os bebês esperam companhia, não isolamento ou intrusão. Esperam estar no meio da vida social da comunidade. Estão prontos para brincar desde que nascem. A brincadeira é o principal método para aprender o autocontrole e as habilidades sociais. O companheirismo, a amizade, a receptividade mútua e a diversão constroem inteligência social e prática. Os bebês e os cuidadores dividem estados intersubjetivos, construindo as capacidades da criança para os “bailes” interpessoais que preenchem a vida social.
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Os bebês têm sistemas de aviso incorporados
Se não estão conseguindo o que precisam, os bebês demonstram. Como a maioria das culturas soube há muito tempo, o melhor é responder ao mínimo gesto do bebê, e não esperá-lo chorar. Os bebês pequenos têm dificuldades para deixar de chorar uma vez que começam. O melhor conselho para o cuidado do bebê é acompanhar o bebê com sensibilidade, e não os especialistas.
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Os bebês armazenam suas experiências na memória subconsciente, em lugares inacessíveis, mas que se manifestarão em comportamentos e atitudes posteriores.
Os bebês podem estar estressados toxicamente se esta lista de necessidades anterior foi desatendida. Eles não esquecerão. Comprometerá sua confiança nos demais, sua saúde e bem-estar social, e conduzirá a uma moralidade egocêntrica que pode causar muita destruição no mundo.
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A cultura não apaga as necessidades evoluídas dos bebês.
Os bebês não podem se retratar de suas necessidades de mamíferos. No entanto, algumas culturas apostam por violar as necessidades evolutivas do bebê como se não importassem e apesar das reivindicações do bebê. As infrações cotidianas incluem o isolamento do bebê e “treiná-los” a dormir sozinhos deixando-os chorar, o leite artificial ou o uso de vídeos, tablets e arquivos para bebês*. Quando essas perturbações acontecem regularmente, em períodos críticos, ou são intensas, prejudicam o desenvolvimento óptimo. Essas anomalias se codificam no corpo do bebê, já que o desenvolvimento óptimo dos sistemas vai se deteriorando (com efeitos sobre, por exemplo, imunidade, neurotransmissores, sistemas endócrinos como a oxitocina). Surpreendentemente alguns psicólogos do desenvolvimento pensam que é positivo violar essas necessidades “para que a criança se adapte à cultura”**.
A racionalização da “cultura sobre a biologia” reflete uma falta de compreensão não apenas da natureza humana, mas também do desenvolvimento óptimo. Isso aconteceu em laboratórios com outros animais cujas naturezas foram mal-entendidas. Harry Harlow, por exemplo, conhecido pelos seus experimentos com macacos separados de suas mães, a princípio não se deu conta de que estava criando macacos anormais quando os isolou em jaulas. Do mesmo modo, pelo menos uma das raças de ratas agressivas utilizadas nos estudos de laboratório hoje em dia se criou quando os cientistas isolaram os filhotes depois do nascimento, sem dar-se conta da anormalidade do isolamento. Observe como as suposições culturais dos cientistas criaram os animais anormais, então importa quais são nossas suposições culturais.
A visão da cultura sobre a biologia pode estar fazendo o mesmo com os seres humanos. Ao não entender aos bebês e suas necessidades, estamos criando seres humanos atípicos. Este é o caso à luz do conhecimento sobre seres humanos que se desenvolvem sobre condições evoluídas (o “ninho do desenvolvimento” descrito no ponto 1): tipicamente, caçadores-coletores em pequenos grupos. São mais sábios, mais perspicazes e virtuosos que nós, os humanos nos Estados Unidos de hoje (ver NOTA a continuação).
Por último, a nota final.
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As experiências que constantemente violam a evolução deterioram a natureza humana.
Quando se produz a infância atípica da espécie, terminamos com pessoas cuja saúde e sociabilidade estão em perigo (que hoje podemos ver em todo Estaos Unidos com epidemias de depressão, ansiedade, altos índices de suicídio e consumo de drogas***). Essas criaturas malcriadas poderiam funcionar bem nas provas de rendimentos ou nas medidas de coeficiente intelectual, mas também podem ser répteis perigosos de cujo mundo gira em torno a si mesmos. Uma grande quantidade de répteis inteligentes (“serpentes vestidas com terno”) em Wall Street e outros lugares levaram o país ao desastre.
O que fazer?
- Informe os demais sobre as necessidades dos bebês.
- Seja consciente das necessidades dos bebês que te rodeiam e interatue com sensibilidade com eles.
- Apoie os pais a serem sensíveis às necessidades de seus bebês. Isso também vai requerer muitos mais apoios institucionais e sociais para as famílias com crianças, incluindo uma licença maternidade extensa que outras nações desenvolvidas oferecem. Neste momento é uma luta ladeira acima, mas criar consciência é o primeiro passo.
- Leia e aprenda de livros que transmitem os princípios evoluídos do cuidado, como os seguintes:
Darcia Narvaez, PhD
Autora de: Neurobiology and the Development of Human Morality
Traduzido do artigo: Ten things everyone should know about babies
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*Tenha em conta que às vezes se requerem estas perturbações (por exemplo, leite artificial, isolamento) em situações de emergência que são assunto de vida ou morte. Também tenha em conta: de certo modo, a cultura dos EUA obriga os pais a falhar às necessidades dos bebês porque não há um amplo apoio familiar ou comunitário para ajudar a satisfazer todas as necessidades de um bebê.
** Por suposto, não creem que seja uma violação porque não levam à sério o conjunto das necessidades dos mamíferos.
*** Nos EUA, todos os menores de 50 anos têm numerosos problemas de saúde em comparação com os cidadãos de outras 16 nações desenvolvidas (Conselho Nacional de Pesquisa, 2013).
NOTA: Por suposto, nenhuma comunidade humana é perfeita, mas quando brindam às crianças pequenas suas necessidades básicas, são menos agressivas e egocêntricas. Estão menos preocupadas pelo que querem porque tiveram tudo o que queriam quando necessitavam em idades precoces. O ninho de bebês descrito anteriormente faz que o corpo e o cérebro sejam inteligentes, saudáveis e funcionem bem, com grande inteligência emocional e autocontrole. São mais hábeis socialmente e empáticos com os demais. Tudo isso faz com que relacionar-se com os outros seja muito mais fácil. Tudo isso terá que ser explicado mais a fundo em outro artigo, citando a pesquisa de antropologia que mostra como são as pessoas em pequenas comunidades de caçadores-coletores.
Referências
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